A incerteza como fator da complexidade

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Autores: Salvatore B. Benvenuto e Raísa Mendes
1° parecer: Rodrigo Bertamé
2° parecer: Sílvia Costa 

Resumo

O artigo tem por objetivo explorar a condição de incerteza como um elemento da Era da complexidade. Propõe-se que esse elemento permeia diversos aspectos do paradigma em questão (relativo à incerteza e a complexidade), contrapondo a certeza, a ordem e o controle, os quais seriam elementos característicos do paradigma anterior (relativo à modernidade e a indústria). As abordagens propostas dirigem-se às mudanças nas perspectivas da Ciência, disseminação do Conhecimento/ informação e nos meios de organização Política, buscando tratar o impacto das novas tecnologias da informação e comunicação (TICs) no presente cenário social, político e econômico.

A palavra complexidade só pode exprimir nosso incômodo, nossa confusão, nossa incapacidade para definir de modo simples, para nomear de modo claro, para ordenar nossas ideias. (…)Ela suporta, ao contrário, uma pesada carga semântica, pois que traz em seu seio confusão, incerteza, desordem. Edgar Morin

Introdução

A proposta principal do artigo consiste em abordar diversos aspectos da Era da complexidade através do prisma da incerteza. Compreende-se que o termo incerteza condensa uma oposição fundamental, a qual dirige-se à certeza como elemento do controle. O “domínio das forças da natureza”, do qual o iluminismo é patrono, referia-se não só ao controle das condições da produção material, mas também ao “controle” dos elementos que se contrapunham à razão. Estes elementos consistiam, assim, em condição de incerteza em relação àquele modo de produção.

A chamada “Era da razão” é também um momento em que a ciência busca compreender (e controlar) os mais diversos processos da natureza, promovendo certa previsibilidade em relação ao futuro, calcada no conhecimento. Naquele momento, as certezas eram cultivadas como fonte de segurança; sicherheit para Bauman (2000). A fé no progresso, e no domínio sobre as intempéries naturais, faria do homem soberano de seu próprio destino.

Entretanto, a única forma de estabelecer estas certezas seria eliminar/ignorar as variáveis, que de alguma forma lançariam “incerteza” sobre as construções lógicas. Este seria o “Paradigma da simplificação”.

Vivemos sob o império dos princípios de disjunção, de redução e de abstração cujo conjunto constitui o que chamo de o “paradigma de simplificação”. (…) Este paradigma, que controla a aventura do pensamento ocidental desde o século XVII, sem dúvida permitiu os maiores progressos ao conhecimento científico e à reflexão filosófica; suas consequências nocivas últimas só começam a se revelar no século XX. (MORIN, 2006: 11)

Jürgen Habermas (1989) assinalou a fé no juízo racional e no pensamento lógico, e a crença no progresso como alavanca para um ser humano melhor. Mas o final do século XX acenou com o fim das ‘grandes narrativas’ do qual nos fala Jean F. Lyotard (1984), e a constatação de que (às portas do séc. XXI), mesmo com toda tecnologia desenvolvida, a humanidade perpetrava atos de selvageria e mantinha suas guerras. O desenvolvimento tecnológico não levaria ao desenvolvimento humano.

O século XXI é, portanto, uma Era da incerteza. A ideia de progresso, a qual incluía uma evolução humana se encerra, e as perspectivas para o futuro são incertas. A tecnologia que traria a abundância de recursos, e faria, assim, desnecessárias as guerras, fornece novos e mais eficientes meios para as mesmas. A aventura humana se fragmenta, torna-se individual. Francis Fukuyama (1989) demarca um “fim da história”, e com o fim do embate entre os projetos comunista e capitalista, terminava mais um capítulo na trajetória humana.

Neste turbilhão, os avanços tecnológicos distribuem melhor os meios de disseminação da informação, aumentando a desconfiança nos meios de comunicação instituídos. Assim, as novas tecnologias permitem novos inputs e novas narrativas. Os canais de informação se multiplicam, passando frequentemente ao largo dos porta-vozes, os quais propunham determinados pontos de vista dos fatos. As narrativas políticas se tornam muito mais multifacetadas, complexas e incertas.

Dessa forma, a incerteza é um fator chave no debate sobre a Era da complexidade. Ela constitui uma contraposição à garantia burocrática, à perspectiva técnica e à certeza científica. A incerteza admite a possibilidade de risco, onde não há chance de previsão e, portanto, não há como planejar com segurança. Mais ainda, a ideia ofereceria uma oposição ao controle, o qual foi um elemento fundamental tanto da ciência, quanto da produção nos últimos séculos.

Propõe-se assim, que um determinado ordenamento do esforço produtivo criou uma visão estrita dos fenômenos sociais e científicos, a qual dirige-se à segurança com prejuízo ao desenvolvimento, controle em detrimento da inovação. Este ordenamento sofre com a disseminação de novos recursos de produção e comunicação, capazes de distribuir a possibilidade de novas narrativas sociopolíticas, mais independentes, imprevisíveis e incertas.

Procuramos abordar a Era da complexidade como um paradigma que se desenvolve a partir da industrialização. Este seria uma consequência do próprio desenvolvimento dos meios de produção. Um elemento que reivindica a ruptura com as instituições modernas, causando descontrole e, portanto incerteza, a qual contamina inclusive os mecanismos do poder.

Na sociedade contemporânea, entendida aqui como a sociedade da complexidade, há uma nova experiência nas relações sociais que se reflete nos mais diversos campos do conhecimento, pelas tecnologias da informação e comunicação1. Para Edgar Morin (2006) a complexidade conecta uma multiplicidade de campos, com o fim de construir um conhecimento além das premissas acadêmicas limitadoras. Um saber livre, capaz de conciliar visões que abarquem a íntegra do real, sem restrições que fundamentalmente demarcam e restringem para fazer caber a realidade em determinada conceituação desejável.

Enquanto o pensamento simplificador desintegra a complexidade do real, o pensamento complexo integra o mais possível os modos simplificadores de pensar, mas recusa as consequências mutiladoras, redutoras, unidimensionais e finalmente ofuscantes de uma simplificação que se considera reflexo do que há de real na realidade. (MORIN, 2006: 6)

Dessa forma, a incerteza contamina diversos aspectos da produção, da sociedade e do conhecimento na Era da complexidade. Os avanços na ciência permitem declarar a influência de variáveis até então desconhecidas, contestar os cânones estabelecidos e desarmar certezas científicas já propostas. O conhecimento sofre a interferência de cada vez mais protagonistas, através das redes que permitem colaborações através do globo. Sua construção assimila novas reflexões, passando algumas vezes ao largo dos centros de produção acadêmica, propondo novas visões, instalando perspectivas inesperadas e criativas dos fenômenos.

Cooperação e competição

Num mundo conectado, a produção tem um comportamento em rede, disseminada em uma infinidade de cadeias através do globo. Portanto, assim como não é possível desligar a internet (sem as indesejáveis consequências para a economia, pesquisa e desenvolvimento), não há como interromper o ciclo produtivo. A inovação vai seguir desencadeando as forças produtivas e vice-versa, num ciclo interminável.

Neste caso, a transição para um novo paradigma pode ocorrer sem a influência política de organização tradicional, representativa (e a sua revelia) pela emergência (JOHNSON, 2003) de uma nova ordem. Uma vez desencadeadas as forças da inovação, elas provocariam um determinado momentum, uma inércia promovida pela ação das forças produtivas sobre as próprias forças produtivas. Tal impulso não poderia ser controlado ou detido, porque está imbricadamente conectado ao processo produtivo em ação.

Portanto, não dependemos de líderes para provocar as mudanças. As mesmas acabam acontecendo por força dos impulsos que são geradores e que também são gerados pelas forças produtivas, vis-à-vis a própria inovação. Dessa forma, a proposição do atual paradigma privilegia a organização em rede, muito mais dinâmica, inteligente e produtiva.

Assim, uma sociedade em rede promove uma permuta entre pares, horizontal e capaz de se organizar de maneira independente. Portanto, a emergência é um fenômeno característico das redes, o qual privilegia uma cooperação que “emerge”, ou seja “resulta”, da soma dos interesses individuais. Steven Johnson cita o dictyostelium discoideum (uma espécie amebóide que vive no solo, pertencente ao filo Mycetozoa), para discutir como os processos de emergência são estranhos à uma concepção vertical/hierárquica, baseada em líderes que principiem os fenômenos (JOHNSON, 2003).

As observações tradicionais do dictyostelium tentavam compreender seu comportamento em termos de unidades “diretoras”, as quais desencadeassem os processos. Projetando em termos humanos, a coletividade teria necessariamente seus líderes, sem os quais nada acontece. Finalmente compreendeu-se que o comportamento deste amebóide é provocado pela interação de uma coletividade, onde todos influenciam de forma igual. Para o autor, procurar “líderes” no bolor do lodo (nome comum do dictyostelium) reflete um determinado viés da observação do fenômeno, baseado numa forma hierárquica de pensar.

Nós estamos naturalmente predispostos a pensar em termos de líderes, quer falemos de fungos, sistemas políticos ou nossos próprios corpos. (…) A maior parte do mundo à nossa volta pode ser explicado em termos de hierarquias e sistemas de comando – por que seria diferente com o Dictyostelium discoideum? (JOHNSON, 2003, p. 11)

Para Johnson a emergência representa uma auto-organização, onde diversos agentes criam uma dinâmica, a qual promove uma nova ordem. Tal ordem não é produto de uma intencionalidade, mas o resultado da interação de indivíduos que não necessariamente estão preocupados com a coletividade, e sequer podem observá-la como um todo.

A emergência tem, portanto, características de um fenômeno espontâneo. Ela se auto-organiza e se auto-proclama em uma diversidade de sistemas humanos e não humanos. É algo que resulta da interação entre as unidades observadas em conjunto, cada uma funcionando sem noção do todo. Não há, portanto, nenhum líder, nem a intenção de controle. Dessa forma, a soma das ações cria inadvertidamente um novo ordenamento, o qual produz o efeito de cooperação como resultado do comportamento espontâneo.

Observaremos jogos de computador que simulam ecologias vivas; o sistema de guildas de Florença no século XII; as primeiras divisões celulares que marcam o despertar da vida; e programas de software que nos permitem ver os padrões de nosso próprio cérebro. O que une esses diferentes fenômenos é uma forma e um padrão recorrentes: uma rede de auto-organização, de agentes dessemelhantes que inadvertidamente criam uma ordem de nível mais alto. (JOHNSON, 2003, p. 17)

Pensar a emergência como uma interação coletiva não intencional possui desdobramentos inquietantes. A ideia de uma nova ordem onde a cooperação supera em vantagens a competição, não se aplica tão somente à reflexão sobre as implicações das TIC´s, mas se relaciona com diversas áreas do conhecimento. A cooperação pode emergir como resultado de decisões individuais que remetem a cenários de sobrevivência, onde o dilema pode se relacionar à perpetuação da espécie.

Um artigo publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences (STEWART & PLOTKIN, 2012) explora a teoria dos jogos (a teoria propõe um ponto de equilíbrio em diversos cenários de conflito e cooperação), como um recurso para pensar a teoria da evolução. A mesma vem sendo utilizada em diversos campos do conhecimento, tais como biologia, economia e ciência política.

Pesquisadores usam os jogos como elemento para considerar as interações entre competidores. Não só o humano e o animal, mas o comportamento dos fungos pode ser apreciado através de cenários de conflito/cooperação. A proposição da seleção natural, através da competição e sobrevivência do mais apto, é observada de forma complexa. Novas perspectivas contribuem para a compreensão dos fenômenos, propondo a cooperação como um elemento muito mais contundente.

Agentes racionais egoístas, por vezes, cooperam para seu benefício mútuo. No entanto, quando e porque a cooperação emerge é surpreendentemente difícil de definir. Para abordar esta questão, os cientistas de diversas disciplinas têm usado o Dilema do Prisioneiro, um jogo simples para dois jogadores, como um modelo de problema. (STEWART & PLOTKIN, 2012)2

Outro artigo (SINGER, 2015), cita a publicação acima sob perspectiva inovadora. Um problema para a teoria da evolução era compreender como os indivíduos de uma espécie, os quais apresentassem um comportamento cooperativo, seriam capazes de se perpetuar através da herança genética. Afinal, a competição não é um elemento fundamental da seleção natural?

Para ilustrar a questão, o artigo menciona o caso do macaco vervet (chlorocebus pygerythrus), o qual ao se deparar com um predador emite um grito de alerta que invariavelmente chama atenção, fazendo dele um alvo. Fundamentalmente, o argumento aponta para a emergência de um comportamento cooperativo. Em curto prazo este indivíduo recebe grande desvantagem, mas se o grupo for dizimado ele reduz suas chances de sobrevivência ainda mais. Por mais egoísta que seja em relação à sua conservação, ele precisa do grupo.

O dilema do prisioneiro ajuda os pesquisadores a compreender as estratégias simples, como cooperar com os membros generosos da comunidade e enganar os trapaceiros, que podem criar uma sociedade cooperativa sob as condições certas. (SINGER, 2015)3

Assim, os diversos comportamentos egoístas conduzem de forma não intencional à cooperação. Esta seria a conduta que levaria a maximizar as chances de sobrevivência. A competição seria, portanto, exceção e não regra. O dilema do prisioneiro sugere, dessa forma, uma proposição “artificial” da competição como norma, criada em determinada perspectiva. A própria ideia de que a competição é uma condição “natural”, e não uma situação característica em determinados casos, sugere certa perspectiva enviesada dos fenômenos.

Entretanto, uma vez que os canais formais não controlam a totalidade do tráfego da informação, outras perspectivas devem surgir. É possível, inclusive, que uma ordem cooperativa emerja na sociedade. Para este artigo, a WWW (world wide web) funciona tal como o “caldo” propagado pelo bolor do lodo (dictyostelium discoideum). Uma forma de criar a emergência, uma maneira inconsciente de cooperação através da persecução dos próprios interesses. As consequências neste caso são imprevisíveis e, portanto, incertas.

Complexidade, incerteza e inteligência coletiva

Complexidade é o termo que tem designado a procura por um paradigma epistemológico para a reforma do pensamento e a superação da lógica da redução-simplificação que domina o conhecimento científico (MORIN, 2006). O pensamento complexo

preocupa-se em refletir fenômenos onde interagem muitos fatores, onde se combinam princípios de regulação e de desequilíbrio, onde comparecem contigência e determinismo, criação e destruição, ordem e desordem, onde podem ser identificados níveis de organização e dinâmicas não lineares (BOTELHO, 2007).

Qualquer conhecimento atua pela escolha de dados significativos e rejeição de dados não significativos: separa e une; hierarquiza e centraliza. Estas operações, que se utilizam da lógica, são de fato comandadas por princípios “supralógicos” de organização do pensamento, princípios ocultos que governam nossa visão das coisas e do mundo sem que tenhamos consciência disso (MORIN, 2006).

O pensamento complexo propõe uma forma de lidar com os fenômenos da natureza incluindo os fatores da ordem e desordem, padrões e imprevisibilidade, a incerteza e o acaso (BOTELHO, 2007).

O que existe, portanto, é um constante movimento que se recusa a permanecer nas ilusões do caminho da ordem e gera improbabilidades e incertezas. O movimento e os estágios de desordem são portadores de incertezas (MARTINAZZO; DRESC, 2013, p. 48).

A adoção e exercício do pensamento complexo no âmbito da construção do conhecimento vai ao encontro do conceito de inteligência coletiva, proposto por Pierre Lévy.

Inteligência coletiva é, de acordo com Levy (2002) um movimento que se iniciou na comunidade científica (com suas jornadas científicas, seminários, colóquios onde cada um comenta o que faz e tentam construir juntos um saber comum, ao mesmo tempo que têm liberdade de propor teorias diferentes) em que as pessoas se organizam por intermédio da Internet visando à cooperação intelectual. Esse movimento se expandiu para outros contextos, como o mundo dos negócios, em vista da necessidade de empregar pessoas capazes de tomar iniciativas, de coordenar, de inventar novas soluções, de resolver problemas e de fazer tudo isso coletivamente, de forma organizada (LEVY, 2002).

Em vista da forte presença do fator de compartilhamento de informações, a sociedade em rede também tende a alterar a dinâmica de produção e comunicação do conhecimento, esteja ele inserido num contexto de pesquisas, esteja ele inserido num contexto não científico. No presente artigo, o conhecimento formal será considerado como aquele registrado em publicações e trabalhos acadêmicos e o não formal como consequência de interações sociais e coletivas que não foram materializadas em produções intelectuais. No caso da realidade científica, a complexidade e incerteza podem ser identificadas no modus operandi das chamadas publicações líquidas.

O termo “publicação líquida” foi criado com o intuito de fazer uma analogia aos estados líquido e sólido da matéria no seguinte sentido: a publicação tradicional corresponderia ao estado sólido, como algo rígido, imutável, cristalizado no tempo e espaço. A publicação líquida teria relação com aquilo que está em constante mudança e movimento, podendo ser enriquecida por meio de diversas fontes. Esse método de produção e colaboração científica envolve mudanças na forma como o conhecimento é criado, disseminado, avaliado e mantido (CASATI; GIUNCHIGLIA; MARCHESE, 2007). É importante notar como esses conceitos se aproximam das definições de fluidez e solidez propostas por Bauman (2001) como características da modernidade líquida.

Para que o poder tenha liberdade de fluir, o mundo deve estar livre de cercas, barreiras, fronteiras fortificadas e barricadas. Qualquer rede densa de laços sociais, e em particular uma que esteja territorialmente enraizada, é um obstáculo a ser eliminado. (BAUMAN, 2001, p. 22)

Para Casati, Giunchiglia e Marchese (2007), o conceito de publicação líquida abrange a interação de três fatores:

a) Os Objetos de Conhecimento Científico (Scientific Knowledge Objects – SKO’s):

  • São os objetos digitais que entram em contrapartida com os artigos tradicionais e que constituem as publicações líquidas. Possuem quatro características básicas: São aperfeiçoados constantemente, podendo existir múltiplas versões de publicações, cada qual em um nível diferente de maturidade;
  • Possibilitam a produção colaborativa entre pesquisadores, onde cada um deles possui diferentes níveis de “apropriação” e controle sobre o SKO sem se isentarem de crédito por sua contribuição. Essa colaboração poderia envolver toda uma comunidade e permitiria a evolução dos SKO’s de forma arbórea, onde novos ramos seriam criados em consonância com o interesse de cada grupo envolvido no processo de discussão e criação. O desenvolvimento de software de código aberto também funciona assim. As pessoas colaboram ativamente e, em caso de desacordo ou se houver por parte de certos indivíduos o desejo de explorar diferentes desenvolvimentos, diferentes ramos são criados a partir da mesma base de código;
  • São multifacetados em razão de sua complexidade e por possuírem diferentes tipos de conteúdo com finalidades diferentes. Tais conteúdos podem incluir textos, imagens associadas, vídeos e slides, conjuntos de dados experimentais, além de opiniões e comentários por parte da comunidade, que também são uma forma de conhecimento e contribuição;
  • São combináveis, pois apoiam a criação de novos SKO’s, fazendo parte da composição e extensão de outros já existentes. Essa característica pode ser muito pertinente na elaboração de livros didáticos. Um determinado compêndio, por exemplo, poderia ser a reunião de outros livros didáticos “líquidos”.

b) Os atores envolvidos na criação desse conhecimento: cada um seria responsável por tarefas pré-estabelecidas, como por exemplo: a tarefa de autoria principal, a tarefa de revisão, etc. Isso não impede que uma única pessoa tenha mais de uma tarefa.

c) Os processos que envolvem a criação, evolução e qualidade de tais trabalhos: para determinar o ciclo de vida para um SKO, diferentes processos precisam ser adotados para sua criação, avaliação e constante enriquecimento. É necessário que tais processos envolvam:

  • Edição e evolução dos SKO’s e de seus componentes;
  • Aplicação de vários graus de controle pelos proprietários:
  • Gerenciamento de propriedade intelectual e outros aspectos legais;
  • Apoio à avaliação da qualidade tanto dos SKO’s quanto de seus contribuintes, garantindo o devido crédito às novas idéias e seus proponentes e incentivando a divulgação antecipada.

Casati, Giunchiglia e Marchese (2007) afirmam sobre a importância de explorar as novas tecnologias que possibilitem a transição do trabalho científico sólido para o líquido. Essa nova abordagem metodológica pode:

a) Promover a circulação de idéias inovadoras de forma quase instantânea;

b) Otimizar o tempo gasto pelos pesquisadores na criação, avaliação e divulgação conhecimento e ao mesmo tempo melhorar a qualidade dos processos de seleção de trabalhos para eventos e periódicos;

c) Facilitar a continuação, de forma colaborativa, de pesquisas anteriores;

d) Desenvolver uma nova forma de: atribuição de crédito de autoria com base em redes sociais, equipe ou comunidade de trabalho; resolução de problemas de forma colaborativa; reputação social e distribuição de conhecimento;

e) Oferecer produtos e serviços inovadores para os editores de publicações líquidas, a fim de agregar valor aos seus negócios tradicionais.

Inseridas também no conceito de emergência, as publicações líquidas mostram-se como desafios tanto para quebrar as barreiras tradicionais da divulgação científica, quanto para demonstrar a desterritorialização do documento e dinamismo de leitura e produção de texto, idéias defendidas por Levy (2010, on-line)

tanto a escrita como a leitura vão mudar o seu papel, porque o próprio leitor vai participar da mensagem na medida em que ele não vai estar apenas ligado a um aspecto. O leitor passa a participar da própria redação do texto à medida que ele não está mais na posição passiva diante de um texto estático, uma vez que ele tem diante de si não uma mensagem estática, mas um potencial de mensagem. Então, o espaço cibernético introduz a idéia de que toda leitura é uma escrita em potencial […] estamos assistindo uma desterritorialização dos textos, das mensagens, enfim, de tudo o que é documento: tanto o texto como mensagem se tornam uma matéria. (LEVY, 2010)

Assim, a inteligência coletiva designa as capacidades cognitivas de uma comunidade resultantes das múltiplas interações entre seus membros em um grupo em que a somatória das partes é maior que o todo.

Sob certas condições, a sinergia criada pela colaboração faz emergir faculdades criadoras e potenciais de aprendizagem superiores àqueles dos indivíduos isolados. As sociedades humanas, por serem emergências de sistemas altamente complexos, não obedecem às leis mecânicas (BRAGA, 2009, p. 51).

Essa comunicação só reafirma a presença da incerteza na inteligência coletiva.

Notas

1. As definições sobre a sociedade contemporânea trazem diversas denominações, a dependerem dos contextos em que se utiliza este conceito: pós industrial, pós estruturalista, digital virtual, sociedade da informação, modernidade líquida ou reflexiva, entre outras.

2. “Self-serving, rational agents sometimes cooperate to their mutual benefit. However, when and why cooperation emerges is surprisingly hard to pin down. To address this question, scientists from diverse disciplines have used the Prisoner’s Dilemma, a simple two-player game, as a model problem.” (STEWART & PLOTKIN, 2012) [Tradução do autor]

3. “The prisoner’s dilemma helps researchers understand the simple strategies, such as cooperating with generous community members and cheating the cheaters, that can create a cooperative society under the right conditions.” (SINGER, 2015) [Tradução do autor]

4. Since at least Newton’s laws of motion in the 17th century, scientists have recognized experimental and theoretical science as the basic research paradigms for understanding nature. In recent decades, computer simulations have become an essential third paradigm: a standard tool for scientists to explore domains that are inaccessible to theory and experiment, such as the evolution of the universe, car passenger crash testing, and predicting climate change. (BELL; HEY and SZALAY, 2007) [Tradução do autor]

Conclusão

Por que pensar a incerteza? Em que a proposição contribui para a reflexão sobre a Era da complexidade? Qual o seu papel dentre tantos outros termos e conceitos? Na verdade, o termo é usado aqui como uma contraposição onde, fundamentalmente, o problema proposto é a certeza! A busca da certeza contaminou um trânsito mais livre do conhecimento, criou trincheiras e querelas. Traçou linhas de defesa, as quais não precisariam existir pela incorporação da dúvida como um elemento estratégico do resultado. Entretanto, a incerteza vem aos poucos se insinuando onde, por exemplo, o resultado de um exame de paternidade por DNA tem 99,9 por cento de certeza. O que representa esse 00,1 por cento de incerteza, se não a possibilidade de dúvida?

A ciência vem reescrevendo seus cânones, tratando sob novas luzes a sua representação da realidade. À medida que surgem novos meios de pesquisa e tratamento de dados, novos elementos podem ser incorporados à pesquisa científica. As análises não podem dispensar dados, ainda que eles lancem dúvidas sobre os resultados, e ainda que eles representem um aumento na complexidade das mesmas análises. A admissão da incerteza permite uma observação muito mais rica, incorporando novas variáveis, as quais podem ser futuramente essenciais à compreensão de outros fenômenos. Não é possível prever como as novas descobertas vão lançar luz sobre as interpretações dos experimentos de hoje, assim, a incerteza deixa margem a novas descobertas.

Portanto, se considerarmos uma nova fase da pesquisa científica (baseada em tecnologia digital, comunicação em rede e integrada de forma global) podemos propor a incerteza como um dos elementos que se destacam na ciência do séc. XXI. Uma vez que mais dados e mais informação são incorporados à pesquisa, fica cada vez menos viável chegar a um resultado absoluto, o qual represente uma certeza. Assim, um aumento na coleta de dados promove um quadro com muito mais variáveis sobre um determinado fenômeno. A computação se torna parte do processo, um recurso capaz de tratar essa imensidão de informação em busca de conhecimento. As simulações em computador compõem a pesquisa científica como um elemento essencial para acessar novas fronteiras, como um novo paradigma.

Desde, pelo menos, as leis do movimento de Newton no século 17, os cientistas reconheceram a ciência experimental e teórica como os paradigmas básicos de pesquisa para compreender a natureza. Nas últimas décadas, as simulações de computador tornaram-se um terceiro paradigma essencial: uma ferramenta padrão para os cientistas explorarem domínios que são inacessíveis para a teoria e o experimento, como a evolução do universo, testes de colisão de veículos de passageiros, e prever mudanças climáticas. (BELL; HEY and SZALAY, 2007)4

Dessa forma, desenvolvimento tecnológico muda a maneira como lidamos com a realidade. Novas ferramentas de contato como o mundo permitem novas experiências. Os recursos de integração em rede permitem um tipo de produção do conhecimento, o qual escapa das relações tradicionais de disseminação do saber. Não há mais exclusivamente emissor e receptor da mensagem, mas trocas de conhecimento entre emissores e receptores.

A ideia de que o conhecimento pode circular livremente tem criado controvérsias, e questões de credibilidade e risco da informação imprecisa vêm surgindo. Há os que desejam suspender sua livre disseminação, alegando que alguém pode ser vítima dessa imprecisão. Levantamos aqui duas questões: Primeiro, a possibilidade de que os pessimistas desconsiderem a capacidade de aprendizado dos usuários. Portanto, neste primeiro momento as pessoas ainda vão cometer erros, mas o uso da internet como fonte de informação ficará sucessivamente mais claro. Assim, ao invés de restringir porque não fazer campanhas alertando os perigos do mau uso da informação? Dessa forma, a internet como ferramenta de disseminação da informação será cada vez mais eficiente.

Segundo, a possibilidade de desconsiderarem a soma das pequenas contribuições como um fator determinante para uma nova perspectiva da produção do conhecimento. Tratar os usuários da internet como meros receptores, corresponde à lógica da “ordem do livro” (SANTOS, 2005), o ordenamento dos saberes que precede a internet, no qual a informação parte de um determinado emissor para um determinado receptor. Neste, a desordem era um elemento do descontrole, o qual perturbaria no só a “indexação”, mas fundamentalmente a organização do conhecimento. A multiplicidade de fontes desencadeia uma crise na ordem do livro, a qual requer “classificação” e “hierarquização”, para administrar e controlar.

O que não é percebido é que a Ordem do Livro é diferente da Ordem da Internet. Na primeira o problema era “controlar e administrar o volume de produção de informação em um mundo de muitos documentos e com uma comunicação com o receptor em desordem”. (SANTOS, 2005)

Portanto, emerge uma nova ordem do conhecimento, baseada nas recentes tecnologias de informação e comunicação, as quais propõem novas relações entre emissores e receptores dos saberes. Nesta, o aprendizado se fragmenta criando um organismo conectado pelos meios digitais, capaz de processar infinitamente mais informação, e executando o processo de tentativa e erro milhões de vezes simultaneamente. Tal como um computador lida com bits e bytes, pequenos fragmentos de código binário, pra processar grandes quantidades de dados, a informação pode ser processada pela soma de pequenas contribuições do engenho humano. Esta seria a emergência de uma nova ordem, menos hierárquica e mais dinâmica, capaz de interferir na forma como produzimos e disseminamos o conhecimento na sociedade atual.

Referências

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