Educação em saúde pelo uso da internet e mídias digitais no cenário oncológico

Print Friendly

Autoras: Camila Mose Ferreira da Fonseca e Myllena Cândida de Melo

Pareceristas: Rita de Cássia Machado da RochaMariana Olívia Santana dos Santos e Letícia Gomes Canuto

Resumo

O mundo virtual está presente na vida de grande parte da população, servindo como ferramenta de acesso a informações de incontáveis temas, entre eles, destaca-se o tema saúde/doença e as indagações que surgem acerca do mesmo, principalmente para pacientes oncológicos, que possuem muitas dúvidas, já que a doença muda em alguma medida as suas vidas. Objetivo: refletir sobre o uso da internet na educação de pacientes oncológicos bem como suas interações nas mídias sociais. Metodologia: Revisão de literatura com um panorama sobre o uso da internet pelos pacientes. Resultados: A internet e as mídias sociais são entendidas como uma rede de apoio, conforto, repositório de informaçoes, ferramenta de pesquisa e ambiente de interação no cyberespaço. Conclusão: Entendemos hoje a internet e as mídias sociais como espaços que subsidiam melhorias na difusão, assimilação e práxis das informações, possibilitando a construção compartilhada do conhecimento através da interação no cyberespaço. Além de promover a autonomia do paciente, tornando o atuante, questionador e reflexivo nas decisões sobre seu tratamento e corpo, por meio da apropriação do conhecimento.

Introdução

Nos últimos 20 anos, presenciou-se imensuráveis transformações na sociedade, no tocante a vida econômica, social e cultural, promovidas pelo acelerado avanço nas tecnologias da informação, computação e comunicação. Os computadores, mais do que ferramentas que facilitam a vida das pessoas, tornaram-se parte da cultura (SOPECZIK, 2006).

Agregada aos computadores, o advento da internet e sua evolução, alargaram substancialmente o acesso à informação, com sua obtenção em diferentes fontes, locais, horários e em uma velocidade sem precedentes.

Trazendo para o escopo da saúde em oncologia, há cada vez mais informações, disponibilizadas na internet, resultando em uma fonte útil de difusão do conhecimento e apoio, com maior facilidade na transposição de barreiras geográficas, pessoais e físicas (REED, 2014).

O câncer é uma doença que modifica a vida do paciente, seja no aspecto biológico, psicológico ou social, visto de modo geral como uma enfermidade sinônimo de sofrimento e morte (Barbosa, Santos, Amaral, Gonçalves, & Bruscato, 2004). Após o diagnóstico, o médico procura sanar as dúvidas do paciente, sobre o tratamento indicado, efeitos colaterais, chances de cura e outros questionamentos, porém, o paciente, ao perceber-se sozinho após o atendimento, sente insegurança e surgem mais perguntas acerca dessas questões.

De acordo com a condição que o paciente com câncer vive, ele utilizará as estratégias de enfrentamento, entendidas como as habilidades para domínio e adaptação a situações de estresse (Savoia, 1999). Essa enfermidade, impacta em diferentes níveis na vida dos pacientes, alguns mais outros menos, mas a maioria deles irá buscar de alguma forma apoio, conforto e informação por meio das ferramentas de busca na internet bem como em redes sociais, criando ou se inserindo em comunidades virtuais e fóruns que promovem discussões sobre a temática do câncer, seus diversos tipos e estágios, locais de compartilhamento de sentimentos, medos e frustações, se tornando um ambiente de apoio a estes enfermos. Essa ideia é reforçada por Griep (2003 p.14) em “a rede social pode ser concebida como a estrutura social através da qual o apoio é fornecido.” A curiosidade é estimulada, e legítima, pois é a vida que está em questão. Os pacientes se mobilizam para buscar a maior quantidade de informação possível disponível, e a internet, bem como as mídias sociais, são não somente grandes repositórios de informação, como também possuem uma enorme capacidade de disseminar conhecimento ao conectar pessoas/informações e pessoas/pessoas (interação no cyberespaço), gerando a troca de experiências, se tornando assim, a principal ferramenta de pesquisa do paciente, portanto, a internet e as mídias digitais causam grande impacto no processo de educação dos mesmos.

A disponibilidade de produções técnico-científicas, aliada ao favorecimento no aumento do nível educacional das populações tem feito surgir um paciente que busca informações sobre sua doença, sintomas, medicamentos e tratamento (GARBIN; PEREIRA NETO; GUILAM, 2008). Segundo Nicholas Negroponte (1995), “a informática não tem mais nada a ver com computadores. Tem a ver com a vida das pessoas”. Esta afirmativa, não só descreve com propriedade a relação informática/internet e sociedade, como pode-se dizer que a vida hoje é vinculada, de certo modo, a informática e a internet, levando em consideração a vida nas cidades urbanas, uma vez que a maioria das pessoas e empresas utilizam-se das ferramentas online para se comunicarem, não só informalmente usando aplicativos e e-mails pessoais como formalmente, através do e-mail institucional, e ferramentas “fale conosco” por exemplo.

A tecnologia digital confronta e reconfigura o antigo modelo de educação em saúde, onde existia uma relação assimétrica e autoritária estabelecida entre profissionais e usuários, onde estes eram considerados carentes de informação em saúde ou portadores de saberes equivocados, razão pela qual os profissionais, orientados pelo conhecimento técnico-científico possuíam status de donos da verdade, com a transmissão de conteúdos para aqueles (ALVES, 2005; 2004). Este modelo de prática educativa contrasta com a possibilidade de construção compartilhada de conhecimentos sobre o processo saúde-doença-cuidado, mediante uma relação e interação dialógica (FREIRE, 2011), e o desenvolvimento da autonomia dos usuários.

A educação em saúde como processo político pedagógico requer o desenvolvimento de um pensar crítico e reflexivo, permitindo o desvelar da realidade e proposição de ações transformadoras, habilitando o sujeito para decidir sobre sua saúde, cuidando de si, de sua família e da comunidade (MACHADO et al., 2007), permitindo a construção de saberes por meio da interface entre usuários e profissionais, contextualizada pela cultura e afetividade (ALVES, 2005; VASCONCELOS; GRILO; SOARES, 2009).

Entretanto, para se obter sucesso nas atividades de educação em saúde é preciso conhecer os usuários, seus hábitos, crenças e condições em que vivem. Além disso, é necessário envolver os indivíduos nas ações e não impor o conhecimento. Essas maneiras são imprescindíveis para a efetividade das ações de educação em saúde (ALVES, 2005).

A interação médico-paciente é modificada por essa nova dinâmica de busca pelo conhecimento na internet. Costa (2006 apud Ribeiro,2013) compara as práticas do modelo médico hegemônico e

Todavia, o modelo médico hegemônico, ao centrar suas ações nas atividades da clínica médica curativa e individual, secundariza e desqualifica as ações e atividades profissionais que não se constituem objeto de práticas privilegiadas por esse modelo assistencial, como é o caso das ações de educação, informação e comunicação em saúde e das atividades de categorias profissionais, como assistentes sociais, nutricionistas, sociólogos e, em certa medida, psicólogos.

Martinelli (2011) relata que

O alcance do olhar do profissional eticamente comprometido transcende os muros do hospital, buscando os núcleos de apoio na família, na comunidade, lugares sociais de pertencimento onde se dá o cotidiano de vida das pessoas. É na cotidianidade da vida que a história se faz, é aí que se forjam vulnerabilidades e riscos, mas se forjam também as formas de superação.

Logo, a educação de pacientes apoiada na internet pode contribuir para solucionar um grande desafio ético, político e econômico: o problema de conciliar as necessidades e expectativas dos pacientes com as características e limitações do sistema de saúde (BASTOS; FERRARI, 2011), principalmente em relação à oncologia, visto o aumento constante do número de pessoas acometidas pelo câncer, graças a cronificação da doença, o envelhecimento populacional e consequentemente maior tempo de exposição à contaminantes e fatores de risco diversos.

Ademais há uma expectativa de crescimento das ferramentas digitais e seu uso na educação em saúde, onde a web (World Wide Web, sistema de documentos em hipermídia que são interligados e executados na Internet) funciona como um campo de ensino-aprendizagem não somente para estudantes e profissionais da área da saúde, mas também para pacientes (CRUZ et al., 2011), culminando com um profundo impacto na educação, com a web funcionando como uma escola virtual baseada no conhecimento sem fronteiras (FONTANELLA; SCHARDOSIM; LARA, 2007).

Eventualmente, os profissionais de saúde, em algum momento do atendimento, fornecem informações ao paciente e familiares quanto ao quadro clínico em questão, seja por meio verbal, planfletos, manuais etc. Muitos pacientes com câncer tem a necessidade de buscar mais informações sobre sua doença e tratamento para além das já recebidas (NORUM et al., 2003; JENKINS; FALLOWFIELD; SAUL, 2001). Alguns podem reunir o máximo de informações quanto possível para lidar com o seu diagnóstico e tranquilizar-se de que estão bem informados. Outros estão insatisfeitos com as informações recebidas dos profissionais de saúde (NORUM et al., 2003), ou são incapazes de assimilar adequadamente estas, uma vez que o jargão médico possa dificultar a compreensão do conteúdo (JENKINS; FALLOWFIELD; SAUL, 2001).

Além disso, as pessoas tendem a servir-se desses espaços digitais para buscar informações sobre doenças, expor seus sentimentos e suas experiências com o processo de adoecimento e compartilhar suas angústias e sofrimentos com outros que também estão vivenciando algo parecido. Assim, as ferramentas da web podem ser grandes aliadas nas atividades pedagógicas, tanto na exposição de informações quanto proporcionando espaços colaborativos e interativos entre as pessoas (CRUZ et al., 2011).

Porém, o uso da internet guarda ressalvas e perigos em potencial, devido à ubiquidade de informações e a incontrolabilidade relativa deste meio, muitos pacientes sofrem dificuldades em recuperar a informação de que necessitam, somados a dificuldade em distinguir fontes confiáveis e pouca familiaridade com a nomenclatura médica (EYSENBACH, 2003).

Deve ser também lembrado, que a educação ao paciente baseada na internet é ainda um campo contemporâneo de pesquisa, devendo a mesma ser utilizada de forma cautelosa, planejada e complementar, não substituindo a educação presencial. Por isto, se torna imprescindível a realização de estudos aprofundados sobre a educação do paciente via internet (BASTOS; FERRARI, 2011).

Portanto, entendemos hoje a internet e as mídias sociais enquanto redes de apoio, conforto, ferramenta de pesquisa e principalmente um repositório de informação, subsidiando melhorias, na difusão, assimilação e práxis das informações adquiridas, possibilitando a construção compartilhada do conhecimento através da interação no ciberespaço.

A internet, então, favorece ainda o desenvolvimento da autonomia do paciente pelo seu empoderamento por meio das informações adquiridas, tornando o paciente um sujeito atuante, questionador e reflexivo nas decisões sobre seu tratamento e corpo, encorajando e fomentando o debate com seu médico sobre seu processo saúde-doença-cuidado, transformando a relação médico-paciente em um processo horizontal, des-hierarquizado e dialógico.

Referências

ALVES, V. S. Educação em Saúde e constituição de sujeitos: desafios ao cuidado no Programa Saúde da Família. 2004. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia, Salvador.

ALVES, V. S. Um modelo de educação em saúde para o Programa Saúde da Família: pela integralidade da atenção e reorientação do modelo assistencial. Interface (Botucatu), v. 9, n. 16, set. 2004/fev. 2005.

BARBOSA, L. N. F., SANTOS, D. A., AMARAL, M. X., GONÇALVES, A. J., & BRUSCATO, W. L. (2004). Repercussões psicossociais em pacientes submetidos a laringectomia total por câncer de laringe: Um estudo clínico-qualitativo. Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar, 7(1), 45-58.

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. 1 ed. Revista e ampliada. Lisboa: Edições 70, 2011. 280 p.

BASTOS, B. G.; FERRARI, D. V. Internet e educação ao paciente. Arquivos Int. Otorrinolaringol., v. 15, n. 4, 2011.

CRUZ, D. I.; PAULO, R. R. D.; DIAS, W. S.; MARTINS, V. F.; GANDOLFI, P. E. O uso das mídias digitais na Educação em Saúde. Cadernos da FUCAMP, v.10, n.13, p.106-129, 2011.

EYSENBACH, G. The impact of the Internet on cancer outcomes. CA Cancer J Clin., v. 53, 2003.

FONTANELLA, V.; SCHARDOSIM, M.; LARA, M. C. Tecnologias de informação e comunicação no ensino da odontologia. Revista da ABENO, São Paulo, p. 76-81. 2007.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 50 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.

GARBIN, H. B. R.; PEREIRA NETO, A. F.; GUILAM, M. C. R. A internet, o paciente expert e a prática médica: uma análise bibliográfica. Interface (Botucatu), v.12, n. 26, 2008.

JENKINS, V.; FALLOWFIELD, L.; SAUL, J. Information needs of patients with cancer: results from a large study in UK câncer centres. Br J Cancer, v. 84, 2001.

MACHADO, M. F. A. S. et al. Integralidade, formação de saúde, educação em saúde e as propostas do SUS – uma revisão conceitual. Ciência & Saúde Coletiva. v. 12, n.2, 2007.

NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.p.11

NORUM, J.; GREV, A.; MOEN, M.; BALTESKARD, L.; HOLTHE, K. Information and communication technology (ICT) in oncology. Patients’ and relatives’ experiences and suggestions. Support Care Cancer, v. 11. 2003.

REED K. Therapeutic Patient Education. Acesso em: 05 Set.. 2014.

Savoia, M. G. (1999). Escalas de eventos vitais e de estratégias de enfrentamento (coping). Revista de Psiquiatria Clínica, 26, 57-67.

SOPECZIK, D. L. Technology in education. In: BASTABLE, S. B. Essentials of patient education. Sudbury: Jones and Bartlett, 2006. cap. 13, 502p.

VASCONCELOS, M.; GRILO, M. J. C.; SOARES, S. M. Práticas pedagógicas em atenção primária à saúde: tecnologias para abordagem ao indivíduo, família e comunidade. Belo Horizonte: Nescon/UFMG, Coopmed, 2009. (Caderno de Estudos do Curso de Especialização em Atenção Básica em Saúde da Família).

Deixe um comentário

Seu e-mail não será publicado. Todos os campos devem ser preenchidos.