Reforma sanitária e redes sociais da internet: uma nova perspectiva de participação social para cuidados em saúde

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Autoras: Paula Chagas Bortolon, Monique Miranda, Sarah Rubia Nunes Baptista, Rita Machado

Pareceristas: Monica Lucia Gomes Dantas e  Helena de Moraes Fernandes

Resumo

As redes sociais virtuais são vivenciadas como uma nova forma de relação entre as pessoas, que permitem a troca de experiências na busca pelo enfrentamento de problemas. Nestes ambientes, cidadãos podem trocar experiências sobre questões de saúde, o que traz como consequência uma reflexão sobre a lógica biomédica dominante, fortemente caracterizada por práticas autoritárias, ainda centradas na doença e não nos indivíduos e na coletividade. O presente artigo traz uma experiência prática de uso de redes sociais online na busca pelo apoio e enfrentamento do diabetes e busca mostrar como questões teóricas que discutem as potencialidades da internet podem ser visualizadas e aplicadas na prática.

Introdução

As redes sociais se fortalecem e modificam com o advento da internet, e mais precisamente, com o surgimento da web. Nas comunidades virtuais há possibilidade de igualdade na participação de todos que ali se manifestam. Isto permite um novo modo de se comunicar, que reflete no campo da saúde como um movimento solidário na busca, se não da solução, da redução das consequências de problemas e de construção de conhecimentos de modo coletivo.

Este efeito solidário e de resgate da autonomia dos cidadãos sobre suas questões de saúde, traz uma reflexão sobre a lógica médica dominante, fortemente caracterizada por práticas unilaterais, ainda centradas na doença e não nos indivíduos e coletividades. Desse modo, o sistema de saúde torna-se verticalizado e hospitalocêntrico e, apesar dos pensamentos e atitudes contra hegemônicos, não incorpora os princípios da integralidade e da equidade, características fundamentais e norteadores das práticas de saúde pensadas pelo movimento sanitário quando se fala de Sistema Único de Saúde (SUS), como discute Mattos (2004).

Considerando a necessidade de fortalecer os direitos da população no tocante à participação social no SUS e a importância de ampliar a informação e a reflexão das pessoas sobre questões de saúde, este artigo busca discutir como a internet, e mais precisamente as redes sociais virtuais, podem vir a ser espaços de empoderamento politico para a saúde.

A lógica de atenção à saúde e de participação social no SUS

O cuidado de saúde teve ínumeras mudanças de enfoques ao longo da história, muitas das quais ligadas ao modo de pensar cartesiano, que conseguia explicar os fenômenos do mundo e da vida isolando-os do cenário geral em que aparecem e, assim, se limitam às explicações mecânicas e simplificadas, que muitas vezes não são capazes de explicar o todo.

Como Capra (2006) discute em sua obra “O Ponto de Mutação”, o cuidado com a saúde da população era entendido como um processo de busca do equilíbrio entre corpo e alma. Com a rigorosa filosofia de divisão de Descartes, este modo de ver e tratar as pessoas foi modificado. Na visão de Descartes, o corpo era uma máquina! A abordagem cartesiana da ciência médica se limitou a tentar entender os mecanismos biológicos envolvidos com as enfermidades.

Conhecer estes aspectos é útil e tem grandes méritos, mas são apenas uma parte da questão. Ignorar os aspectos psicológicos, sociais e ambientais das doenças fez com que a compreensão sobre o que é saúde seja transferida do paciente para a doença. Isto limita entender a saúde em toda a sua complexidade. “(…) os médicos tem de lidar com os indivíduos como um todo e com sua relação com o meio ambiente físico e social. (…) O fenômeno de cura estará excluído da ciência médica enquanto os pesquisadores se limitarem a uma estrutura conceitual que não lhes permite lidar significativamente com a interação de corpo, mente e meio ambiente” (Capra, 2006. p. 134).

Dialogando com esta perspectiva, o discurso de Sérgio Arouca, durante a Oitava Conferência Nacional de Saúde, resgata o olhar ampliado sobre saúde, alinhado com o conceito proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS), definido como completo bem-estar físico, mental e social e não a simples ausência de doença.

A Reforma Sanitária brasileira nasceu na luta contra a ditadura, com o tema Saúde e Democracia, e estruturou-se nas universidades, no movimento sindical, em experiências regionais de organização de serviços. Esse movimento social consolidou-se na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, na qual, pela primeira vez, mais de cinco mil representantes de todos os seguimentos da sociedade civil discutiram um novo modelo de saúde para o Brasil. O resultado foi garantir na Constituição, por meio de emenda popular, que a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado (BIBLIOTECA VIRTUAL SÉRGIO AROUCA, 2015).

Diante deste panorama, em 2006, foi criada a Comissão Nacional sobre os Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), que teve ampla participação de setores da sociedade civil, e não apenas os relacionando estritamente à saúde, conceituando que os determinantes sociais da saúde (DSS) tem relação com questões sociais, econômicas, culturais, étnicas/raciais, psicológicas e comportamentais (BUSS; FILHO, 2007).

Apesar do olhar inovador sobre o que é saúde e o que é doença, as iniciativas em torno destas temáticas evidenciam um cenário hospitalocêntrico, que ainda desconsidera os saberes leigos e coloca como corretos e válidos apenas os conhecimentos dos peritos (profissionais de saúde, pesquisadores, gestores…). Além disso, há um fator essencial para que as condições de saúde sejam melhoradas: o acesso à informação. Sobre isto, o Núcleo de Experimentação de Tecnologias Interativas (NEXT, 2015) resgata que, desde a criação do SUS, ampliar a informação dos usuários sobre questões de saúde é um esforço contínuo que traz consigo também o modo de se comunicar.

Apesar de todo o desenvolvimento tecnológico e dos modelos comunicacionais, os paradigmas da comunicação – e também da informação – ainda buscam modelos que atinjam determinados objetivos, definidos por um dos pólos da relação comunicacional, como o gestor, o governo, as instituições públicas e privadas. Na saúde, isto ocorre em função do tipo de discurso que ali predomina, marcado pela fala central especializada, autorizada por quem tem o poder de dizer e de interpelar os atores sociais. Este discurso é que dita os modos como os cidadãos adoecem, morrem e cuidam da saúde, o que confere à comunicação o caráter de variável responsável para criar um clima favorável à recepção das mensagens  (OLIVEIRA, 2004).

Para tentar superar está lógica, a saúde deveria ser entendida como uma dimensão da vida que expressa um bem maior individual e coletivo, simbólico e materialmente construído e defendido por pessoas e pela comunidade que, considerando seus contextos, buscam sua definição e sua distribuição inclusiva. No que tange aos processos de produção de sentido e de comunicação, a lógica atual precisa ser superada para que não se tratem questões de saúde como pontos a serem resolvidos após existirem as informações e os registros – e também as mensagens – já na fase de disseminação ou divulgação, como colocam Moraes & Gómez (2007) ao afirmarem que esta é a prática corrente.

Ora, se com o surgimento do SUS, por um lado, foram colocadas palavras e expressões que representam um caráter mais complexo, descentralizado, com inclusão social, participação popular ou controle social, a comunicação deve também ser colocada como contraponto ao modelo vertical. Por isto, a comunicação e a informação em saúde precisam considerar, sempre que possível, um processo participativo com a população ao qual se destinam e superar a visão instrumental da comunicação e as práticas campanhistas. Romper com o esquema emissor → mensagem → canal → receptor é parte fundamental deste processo (CARDOSO, 2006).

A estratégia de construção das políticas públicas de saúde, ainda se baseia na lógica top-down das tecnologias de comunicação existentes até há pouco e que são amplamente utilizadas pelos profissionais de saúde, gerando um paradoxo a um dos princípios do SUS: a participação da população nas discussões sobre saúde. Esta lógica impossibilita a incorporação dos problemas, necessidades e soluções que surgem da sociedade, dificultando a fusão dos saberes técnicos, de pesquisadores e da população. Além disto, a integralidade no SUS leva à reflexão sobre a avaliação das políticas públicas ao incluir diversas vozes presentes no dia-a-dia do cuidado para o planejamento das ações, fazendo uma crítica aos saberes e poderes instituídos.

A internet modifica esta lógica e traz não apenas a ampliação da participação, mas uma avalanche de diversidade e de representatividade da sociedade na discussão do campo da saúde, conduzindo a uma legitimidade, que não pode ser entendida como exclusiva e inquestionável apenas quando se pensa nas instâncias oficiais de participação social (Conferências e Conselhos de Saúde).

A internet e as redes sociais

Redes sociais são, antes de tudo, relações entre pessoas mediadas ou não por sistemas informatizados. São práticas de interação que sempre visam algum tipo de mudança concreta na vida das pessoas, no coletivo e/ou nas organizações participantes.

Quando falamos de internet, o conceito de redes sociais não se modifica para ser outra coisa. O que ocorre é que as redes sociais ganham potência e uma nova dinâmica, o que tem mais a ver com as próprias características da internet, do que com novas características dos indivíduos (NEXT, 2015). Na internet, a possibilidade de estarmos conectados aumentou, fazendo com que os vínculos sociais se mantenham vivos e possam ser ativados muito facilmente. A capacidade de se encontrar pessoas tem a ver cada vez menos com a distância física entre elas (BARABÁSI, 2002).

As redes sociais da internet se apropriam das características da Internet e criam condições para que diversos tipos e formas de atividades e relações se desenvolvam neste ambiente, o que resulta em um público heterogêneo, como o do SUS. Assim, pode-se dizer que nas redes sociais da internet há possibilidade de se estabelecer uma comunicação também heterogênea e totalmente diferente das formas tradicionais existentes em sistemas simples (NEXT, 2015).

A lógica de transmissão da informação é modificada quando falamos de internet, pois ela tanto amplia a orientação de cuidados com a saúde à medida que modifica a relação entre médico e paciente, e entre profissionais e usuários do SUS.

Quando as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) surgiram, elas apenas automatizavam e melhoravam as ações do dia a dia. Mas, à medida que foram se desenvolvendo e evoluindo até a Internet que temos hoje, a lógica segue as características de sistemas abertos, universais, interconectados e distribuídos em rede, que não precisa de líderes ou controladores e se mostra oposto aos processos hierarquizados e verticais. A interatividade aparece como característica marcante e que sustenta e valoriza a colaboração e o compartilhamento (SANTOS et al, 2014).

Com o advento da Web 2.0, as redes se potencializaram e permitiram o surgimento de processos e dispositivos que estimulam práticas distribuídas, coletivas, colaborativas e emergentes, bem diferentes do modo atual como nos comunicamos e trocamos informações (O’REILLY, 2005; BARAN, 1964), como o que ocorre em rádios e televisões, por exemplo.

as organizações, com suas estruturas centralizadas e hierárquicas, não conseguem aproveitar as oportunidades criadas pela Internet e pelas tecnologias interativas, como desenvolver coesão e sinergia interna, como viabilizar a interação com parceiros, aproveitar e multiplicar os recursos disponíveis (SANTOS et al., 2014. p. 3).

De fato, observa-se que as instituições da área da saúde, apesar de possuírem perfis na web e trazerem em seu discurso importância da horizontalidade na relação com os usuários e trabalhadores, demonstram, na prática, que ainda há uma lacuna no que tange ao aproveitamento da internet em toda a sua potencialidade, o que de fato poderia trazer um novo panorama de troca de informações e participação efetiva dos usuários no cotidiano da atenção à saúde e nos processos políticos de construção do SUS.

A tendência de utilização da web, primordialmente, como meio para transmissão de mensagens, considerando a lógica antiga do emissor-receptor, foi corroborada por meio de uma rápida análise dos perfis de blogs e páginas do Facebook de unidades básicas de saúde da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS-Rio), selecionadas aleatoriamente. Em meados de julho de 2015, foi observado que algumas unidades básicas de saúde, de uma área programática da zona norte da cidade do Rio de Janeiro, apresentavam blogs e/ou perfis em rede social da internet, mais especificamente no Facebook. O teor dos posts, no Facebook e nos blogs, em sua grande maioria, era sobre eventos e atividades das unidades básica e da SMS-Rio, informações sobre saúde, questões de articulação e reivindicação de entidades de trabalhadores da saúde. Os blogs tinham poucos e antigos posts sem nenhum comentário de usuários. As páginas do Facebook traziam postagens mais recentes.

Este exemplo rápido permite dizer que ainda é incipiente a utilização da internet por instituições como espaço de colaboração entre cidadãos e profissionais de SUS, não sendo pensados como espaços para estimular a interação com a população e permitir que suas questões sejam pontuadas a partir de seus próprios pontos de vista. Tanto no cotidiano dos serviços, como nos seus canais de comunicação pela internet, esta prática ocasiona a perda de oportunidade de potencialização e legitimação destes serviços justamente pelos próprios usuários.

De acordo com Santos et al (2014), o problema para utilizar ambientes de Web 2.0 reside justamente nos hábitos culturais de centralização e na preocupação pela “falta de controle”.

Estamos tão habituados a que intermediários controlem o processo, que nossa primeira reação é não acreditar que um mundo sem esse controle possa dar certo. O desconforto aparece, porque as tecnologias interativas têm uma dinâmica contraditória com práticas e hábitos anteriores, enraizados na cultura das instituições. Isto é percebido mais emocionalmente que racionalmente, o que dificulta a implantação de novos hábitos pois, afinal, as pessoas foram preparadas para outros tipos de práticas e rotinas. Esta é uma das principais razões da dificuldade de introdução da Internet e das tecnologias interativas nas atividades cotidianas das organizações: elas entram em contradição com as tecnologias anteriores, estruturadas em mecanismos de controle e intermediação (SANTOS et al., 2014. p. 5).

Quando a internet aparece, ela inverte esta lógica e amplia a possibilidade de participação das pessoas. Para Lévy (1999) é justamente este cenário que impulsiona práticas colaborativas e cria mecanismos de inteligência coletiva, que é justamente a inteligência distribuída por toda parte, assim entendida uma vez que ninguém sabe tudo, mas juntos sabe-se alguma coisa.

Por isto, as redes sociais da internet potencializam a possibilidade da população enfrentar seus problemas e questões de saúde, produzindo conhecimento coletivamente. Uma parte aprende com a outra e ambas podem ser beneficiadas com isso (população e técnicos). Por isso, estes ambientes aparecem como espaços de empoderamento politico, uma vez que, ali, as pessoas podem questionar-se sobre o modelo biomédico, a medicalização da vida, o reconhecimento da sabedoria popular, a saúde como um ato de cuidado, a participação e o controle social e, ainda, refletir sobre o complexo da saúde.

A importância do conhecimento de quem vive a situação: o caso da rede do diabetes

“Eu, meu filho e o diabetes”

Um exemplo emblemático do empoderamento do usuário é o perfil “Eu, meu filho e o diabetes“ (EU, MEU FILHO E O DIABETES, 2013), cuja autora é uma mãe que teve seu filho diagnosticado com diabetes mellitus tipo 1 aos 7 anos de idade. A descrição do perfil é Aqui falamos sobre diabetes, autocuidado, direitos e políticas públicas. Juntos somos fortes!

O perfil do blog surgiu 6 meses após o diagnóstico, pois apesar da excelente equipe médica que acompanhava seu filho, a autora queria respostas ou algo que acalmasse seus sentimentos. Ela sentiu a necessidade de entender melhor a vivência de outras pessoas com a nova realidade e rotina que o diagnóstico lhe impôs. Assim, surgiu a ideia de criar um blog, no qual informações e sentimentos pudessem ser compartilhados.

Com um total de 222 publicações, no Blog (EU, MEU FILHO E O DIABETES, 2010) é possivel acompanhar várias fases do tratamento voltado ao controle do diabetes, assim como informações de eventos para crianças e familiares do portador de diabetes, novas tecnologias e pesquisas recentes relacionadas à patologia. Algumas publicações descrevem situações muitas vezes desconhecidas no ambiente ambulatorial, que não tem uma ligação direta com o tratamento, mas estão incluídos no complexo conceito de saúde, como descreveu Capra (2006).

Ao acompanhar as publicações do blog é possivel perceber a evolução de toda a família em relação ao enfrentamento da questão. Percebe-se também que os leitores identificam-se com a maioria das situações, que, podemos dizer, são de dificil entendimento para quem não convive com a patologia, mesmo com todo conhecimento científico e profissional sobre o problema. Frases do tipo “eu entendo o que você esta passando”, “eu ja passei por essa situação”, “que bom que encontrei este blog” são comuns nos comentários. Isto torna o blog um espaço de vozes coletivas, que cria um vinculo de confiança pela identificação de pares. As formas como a patologia é abordada torna o blog um personagem ativo e confiável e não meramente um espaço de encontros.

No Facebook, a página do ‘Eu, meu filho e o Diabetes’ (2015) conta, atualmente, com mais de 4.200 seguidores.

Algo muito positivo para os leitores deste perfil é o alivio de encontrarem seus pares e a intensa interação entre eles, pois todos querem dividir suas experiencias. Os que convivem há mais tempo com a patologia, logo se colocam como disponíveis para o esclarecimento de dúvidas dos mais novos. A comunicação assíncrona faz com que não seja preciso as pessoas estarem no mesmo dispositivo ao mesmo tempo, pois o Blog e o perfil do Facebook estão conectadas através do perfil ‘Eu, meu filho e o diabetes’.

É interessante notar que, apesar de estar sempre escrevendo sobre uma doença crônica, tanto a página do Facebook como o blog não são ambientes “doentes”. Entende-se assim, pois sempre abordam as questões a serem colocadas de maneira positiva e incentivadora. O bom humor está presente na grande maioria das vezes e há leveza ao se abordar os problemas. Em relação a isto, percebe-se pelas postagens que a carência de políticas públicas voltadas para o enfrentamento do diabetes é motivo de incomodo para os participantes dessa rede.

O perfil é atuante na luta por politicas públicas mais justas e inclusivas, pois a experiência pessoal mostra que a falta de medicamentos no SUS não representa casos isolados e todos que leêm o blog entendem exatamente o impacto disto em suas vidas e também para o sistema de saúde a longo prazo.

O perfil ‘Eu meu filho e o diabetes’, também conta com um aplicativo para androids que traz uma explicação em linguagem simples sobre o que é diabetes e um espaço de perguntas e respostas; acesso direto à pagina do Facebook, do blog e do canal do Youtube; e uma lista de alimentos com as quantidades de referência e os valores dos carboidratos em ordem alfabética (Figura 1).

A inovação da ‘lista de alimentos’ está justamente relacionada à liberdade que ela traz para o portador de diabetes, principalmente ao se alimentar fora de casa. Fazer a contagem de carboidratos é um dos metodos de controle da glicemia. É um método moderno, que busca simular o funcionamento natural do pâncreas e permite aplicar a insulina conforme a quantidade de carboidratos ingerida. Normalmente os pacientes recebem do médico ou do laborátorio fabricante da insulina um livreto com todas as informações dos alimentos e a quantidade de carboidratos de cada um. O aplicativo reúne todas estas informações, dispensando o uso do livreto, o que representa um ganho de autonomia que facilita o dia a dia aos portadores de diabetes, uma vez que os aparelhos com android são cada vez mais populares.

A rede de controle do diabetes fortalecida nos grupos do Facebook

A interação e os debates mais profundos em torno do diabetes acontecem de fato dentro dos grupos no Facebook, que têm perfis públicos; fechados, mas com possibilidade de todos os membros adicionarem novos membros; e fechados com moderação.

O tipo de moderação existente nos grupos varia em função dos membros que deles fazem parte. Aqueles que tem apenas um tipo de membros, como grupos exclusivo de mães e portadores de diabetes, têm moderação apenas pra aceitar as solicitações de entrada de novos membros, que devem ter o perfil do grupo, pois o grupo assume um caráter de espaço para desabafos mais complexos, que envolvem relações familiares. Os grupos mistos, em geral, dão um certo trabalho aos administradores, principalmente porque exigem mais moderação sobre os conteúdos postados e os comentários que estes suscitam, a fim de evitar erros terapêuticos, como àqueles relacionados às dosagens de medicamentos (insulina). Alguns grupos têm médicos presentes, que comentam timidamente assuntos relevantes. No geral, o comportamento deles está mais relacionado à captura de potenciais “clientes”. Por outro lado, os profissionais de saúde do setor público que também são membros do grupo participam apenas como observadores, pouco contribuindo para as discussões e construção de conhecimento acerca dos assuntos tratados.

A procura pelos grupos do Facebook tem aumentado pela necessidade dos familiares entenderem mais o que ocorre com o portador de diabetes quando há rejeição ao tratamento e também em busca de opiniões e desabafos sobre meios de amenizar confrontos familiares relacionados aos diabetes.

Uma grande preocupação é com crianças que participam dos grupos mistos, muitas vezes os pais não entendem que para um criança pode ser desastroso ler o depoimento de um adulto com sequelas decorrente de um controle incorreto da glicemia. É preciso uma boa orientação familiar e da equipe de saúde para que isto não se torne um trauma.

A experiência mostra que, aos poucos, os gestores dos ambulatoriais do SUS estão percebendo a necessidade de se aproximarem mais dos pacientes nas redes sociais da internet, uma vez que eralmente as dúvidas dos pacientes são simples e podem trazer impactos positivos sobre o tratamento e os resultados de saúde de um paciente para a próxima consulta. Além disso, em uma rede social da internet, onde as informações são compartilhadas e há interação, as trocas de experiências podem ser proveitosas para outras pessoas nas mesmas condições.

Uma equipe de saúde, normalmente, monta o programa de tratamento para o paciente e só avalia os resultados na consulta posterior. No entanto, é o dia a dia do tratamento que pode trazer a diferença. Numa das conversas dentro do grupo, percebe-se que o médico dá autonomia ao paciente para se auto avaliar sobre seu tratamento. Infelizmente, isso não é a regra.

Em pesquisa realizada em 2013 com 100 pessoas na página “Eu, meu filho e o diabetes” (2015) foi possível perceber o impacto positivo das redes sociais da internet no tratamento do diabetes: apenas 4% não obteve melhora no controle glicêmico depois de frequentar as comunidades virtuais; 9% já tinham um bom controle antes de acessar as redes sociais online (Figura 2).

Em um país onde apenas 15% dos portadores de diabetes possuem a doença sob controle, as redes sociais online devem ser reconhecidas como espaços de trocas entre leigos e experts, onde um aprende com o outro e o conhecimento coletivo resultante daí permite fortalecer o tratamento dos portadores de diabetes.

Considerações finais

Para incorporar as novas tecnologias da Internet e aproximar a população do sistema de saúde é necessário criar novos hábitos culturais, como os que dizem respeito à utilização de comunidades de usuários do sistema de saúde, onde eles troquem informações, experiências e discutam suas questões de acordo com os princípios e diretrizes do SUS (integralidade, universalidade, participação, descentralização), como nos exemplos mostrados ao longo deste artigo.

Em redes sociais virtuais deve-se procurar desenvolver ações vivas e interativas, que busquem promover a solidariedade entre as pessoas, disponibilizando-se recursos e saberes do sistema de saúde (direitos, contatos, serviços, etc.) e onde se informe e se discuta as experiências – novidades e alternativas – dos usuários no enfrentamento de problemas. Assim, estes ambientes podem ser um instrumento eficaz não só por sua efetividade ao criar uma rede passível de ser acionada rapidamente, mas também porque podem servir como um importante espaço de pesquisas qualitativas e produção de conhecimento em saúde, além de serem espaços de definição de práticas para as políticas públicas de saúde (SANTOS, 2006).

Ao invés de mantermos sites e blogs autoritários, devíamos utilizar toda a potencialidade da web 2.0, que é muito mais próxima da expectativa dos usuários que estão crescendo acostumados com as complexas interações que esta ferramenta possibilita. A internet propicia o acesso do cidadão leigo a conhecimentos que antes eram pouco compartilhados fora do circuito médico. Desta forma a participação e o controle social enquanto diretriz e princípio do SUS estará como nunca mais perto de ser alcançada, para além dos canais tradicionais de participação popular no sistema de saúde.

As comunidades virtuais podem ser um instrumento eficaz não só por sua efetividade ao criar uma rede passível de ser acionada rapidamente, mas também porque podem servir como um importante espaço de pesquisas qualitativas e produção de conhecimento em saúde, além de serem espaços de definição de práticas para as políticas públicas de saúde.

aplicativo android

Figura 1 – Telas do aplicativo para aparelhos com android.

pesquisa do perfil

Figura 2 – Resultado da pesquisa realizada pelo perfil “Eu, meu filho e o diabetes”

Referências

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