Reflexões sobre as novas tecnologias da informação e comunicação na educação básica brasileira: o fetiche das TIC na chamada era da complexidade

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Autores: Maria Paula Bonatto e Roberto Eduardo Albino Brandão

Pareceristas: Solange Machado e Monica Lucia Gomes Dantas

Resumo

Neste texto propomos uma reflexão crítica sobre o papel das novas tecnologias de comunicação na educação básica, principalmente no que se refere à realidade da escola pública municipal da periferia do Rio de Janeiro, discutindo os aspectos históricos e políticos que conformam a conjuntura atual.

Um olhar para a história das tecnologias na educação brasileira

[…] é nas escolas públicas que se encontram todos os dias, durante muitas horas e por vários anos, as crianças e jovens que sofrem as consequências mais graves desse modelo excludente e predatório de sociedade, sobre o qual temos discutido. Então, esses projetos só se justificam se forem capazes de fortalecer as escolas para o enfrentamento dos desafios que vêm encarando durante todos esses anos no esforço de educar a população. (VASCONCELLOS, 2008, p. 222).

No Brasil, consideramos o início da década de 1960 como um marco na história do uso de tecnologias na educação. Se tomarmos como exemplo as ações do educador Paulo Freire nesse período, observamos, além da preocupação em dialogar com os saberes e práticas das classes populares da cidade e do campo, a utilização das tecnologias de sua época na consolidação desse diálogo. Assim, sistematizando o uso de imagens projetadas em diapositivos por meio dos recém surgidos projetores de slides, Freire dinamizou os debates com os diversos grupos que organizou na forma de centros de cultura, rodas de conversa e grupos de alfabetização de adultos, explicitando os conflitos que caracterizam as relações opressor-oprimido na sociedade brasileira. Esse processo esteve sempre mediado pela ideia de que a educação é o desenvolvimento permanente da capacidade crítico-reflexiva dos sujeitos individuais e coletivos, que, orientada para processos emancipatórios, teria como objetivo contribuir para libertar o ser humano da alienação e da sujeição a situações de manipulação cultural e política. Cabe aqui a definição de emancipação de Loureiro:

Como nos disse Marx, “a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”, posto que para a mudança efetiva de uma dada realidade somente aqueles que sofrem com tal situação podem ser os portadores materiais da transformação. […] [essa transformação] exige organização coletiva para que se viabilize.

Daí resulta afirmar que há emancipação quando agimos para superar e superamos: (1) relações paternalistas e assistencialistas que reproduzem a miséria (intelectual e econômica); (2) uma educação que impede a capacidade crítica de pensar e intervir de educadores-educandos; (3) a apropriação privada do conhecimento científico; (4) práticas políticas que viciam a democracia e sufocam o desejo da participação, garantindo o privilégio de oligarquias que se constituíram com a lógica colonial que instaurou o Brasil; (5) relações de classe que condenam milhões a uma condição indigna, de precariedade na luta pela sobrevivência, por força dos interesses do mercado e seus agentes, “coisificando” a vida. (Loureiro, 2007, p161)

Nesse período, o empenho em sistematizar processos de educação emancipatória foi motivo para que esses educadores fossem perseguidos e expatriados pela ditadura civil-militar, em processos políticos autoritários que se espalharam por toda a América Latina no sentido de conformar sua população, educação e cultura aos interesses do capital.

Assim os 20 anos que caracterizaram a ditadura militar no Brasil apresentaram inúmeras contradições, entre estas o fato de que, ao lado da depreciação e perseguição dos educadores que trabalharam em processos educativos emancipatórios, havia uma intensificação do investimento do dinheiro público na privatização da educação básica. Esse investimento se deu sob a forma de apoio ao desenvolvimento de uma rede de escolas privadas associado a um discurso de modernidade voltado à aquisição de novas tecnologias. Esse processo se aprofundou na década de 1970 quando, em uma crise múltipla do capital internacional1 representantes de países e corporações dominantes identificaram a produção e renovação das novas tecnologias como potencial caminho para amortizar as crises periódicas inerentes ao capitalismo em sua expressão mundializada. Nesse processo, os países do então chamado terceiro mundo foram preparados para, na divisão internacional do trabalho2, atuar como potenciais consumidores de tecnologias. Essa perspectiva definiu um projeto de longo prazo desenvolvido por diversos grupos intelectuais internacionais associados às burguesias nacionais. Como exemplo dessa ação organizada podemos citar o seminário do Clube de Roma, oferecido à época no Rio de Janeiro. O Clube de Roma, um grupo formado por 100 membros da alta sociedade dos mais diversos setores e países, atua ainda hoje com o objetivo de encontrar “soluções” para o futuro da humanidade. Este veio ao Brasil promover o seminário internacional intitulado “Os desafios da década de oitenta (para os países desenvolvidos e não desenvolvidos)” – organizado entre 2 e 5 de julho de 1979. Nesse seminário, um representante das lideranças intelectuais do capital, o químico consultor do governo inglês Alexander King, afirmou:

Existe a necessidade de processos inovativos de aprendizado baseados em antecipação e participação, se é que queremos estar preparados para as mudanças inevitáveis das próximas décadas. É muito importante que líderes políticos estejam conscientes das mudanças necessárias, e para isso, prontos para planejar previamente as transições. Enquanto houver expectativas de que inovações tecnológicas, sociais e educacionais venham ao encontro das necessidades, o tempo de longo prazo para providenciar esses processos demanda uma perspectiva de, no mínimo, 20 a 30 anos nos processos de planejamento. É essencial que todos respeitem a necessidade de se evitar a tentação de sacrificar a resiliente estabilidade e prosperidade de longo tempo por ganhos efêmeros de curto prazo ((KING, 1979, p.9. apud BONATTO, 2012, p.239-240).

Atualmente percebe-se com mais clareza que tal período corresponde a um arranjo mundial de preparação para uma fase de aprofundamento do capitalismo, na qual deixaria de existir uma configuração de mundo “bipolar” de disputas entre os sistemas capitalista e socialista. Este período revela-se como estratégico para a consolidação de um capitalismo que apaga os questionamentos políticos por meio de intenso investimento em coerção apoiado por políticas de consenso e de propaganda no contexto de uma sociabilidade voltada para o consumo. Para concretizar esse processo os aparelhos educativos foram mobilizados de forma intensa com base em dados e experiências acumuladas pelas agências internacionais hegemônicas, a citar, o Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (PEREIRA, 2009, LEHER, 1999, BONATTO, 2012). Além disso, a mídia concentrada em poucas empresas subsidiadas pela ditadura militar tratou de conformar as mentes e a cultura para um novo momento de hegemonia ampla e mundializada que se preparava então.

Como resultado verifica-se nas décadas de 1980 e 1990 um intenso investimento no esvaziamento da capacidade reflexiva dos aparelhos educativos em contraste com a intenção de se aparelhar escolas e universidades públicas com equipamentos de automação. Essa intenção expressa nos documentos dos planos de governo desse período (BRASIL, 1993), vai se consolidando de forma fragmentada, e dissociada de ações integradas de educação, enfatizando o potencial da ciência e tecnologia como consumo e alijadas de processos emancipatórios de ação e reflexão como quis Paulo Freire e muitos educadores de sua época.

Nesse sentido a década de 1990 se mostra como um divisor de águas em um Brasil que protagonizou um período caracterizado por uma população extremamente jovem – estatisticamente conhecido como “onda jovem” (BERCOVITCH; MADEIRA, 1990), com potencial para assimilar novos padrões de cultura e de consumo. Na esteira das contradições, o período, de 1975 até o início dos anos de 1990, caracterizou-se também pelo crescimento de uma indústria nacional que leva o Brasil à, em 1986, alcançar a sexta posição no mercado internacional de informática, sendo o único no período, além do Japão e EUA, a suprir mais de 80% de seu mercado interno (BRASIL, 2000). Contrariando os interesses da nação, a partir da década de 1990, foram introduzidas uma série de modificações na Política Nacional de Informática com o intuito de adequá-la aos interesses das disputas internacionais. Assim o Brasil foi pressionado à conformar suas políticas às políticas econômicas ditas liberalizadas, abrindo mão de uma política de reserva de mercado e assimilando uma ampla abertura ao mercado externo (UEM, 2014).

A análise de Florestan Fernandes (1973), que mostra o capitalismo brasileiro como de caráter dependente, sob o modelo do desenvolvimento “desigual e combinado”, explica a posição da Confederação Nacional da Indústria que, em 1998, escreveu sobre a necessidade de se preparar o Brasil para se adequar aos interesses do capital reestruturado para o novo milênio:

Comparado aos países mais ricos em termos per capita da América Latina, o Brasil acumula uma defasagem de cerca de dois anos de estudos, o que interfere diretamente na produtividade e competitividade dos setores produtivos. Muito embora tenha conseguido na última década significativos avanços na eliminação do analfabetismo (1,08% de decréscimo ao ano), estima-se que, ainda, aproximadamente 14,7% da população de 15 anos ou mais seja analfabeta, o que corresponde a 15,5 milhões de pessoas. Esse quadro se mantém, na medida em que o sistema regular de ensino continua a produzir, em razão da repetência e evasão, novos contingentes de analfabetos funcionais e subescolarizados (CNI,1998, p .54).

O que fica oculto no diagnóstico acima, realizado por parte do setor industrial, que em sua maioria apoiou a ditadura militar, é que esta classe se exime de analisar as causas da defasagem educacional a que se refere, ou seja, um Estado orientado durante décadas contra os interesses da população que o sustenta, e que submete essa população ao jugo dos interesses das classes hegemônicas associadas ao mercado financeiro (FERNANDES, 1993).

Desse período até a atualidade observamos no Brasil um aprofundamento crescente da depreciação da Escola Pública e da falta de apoio à profissão de professor, associados à uma crescente perda de autonomia deste no que se refere às disputas sobre as características da educação básica que o Estado estrutura hoje para oferecer à população brasileira. A organização do movimento “Todos pela Educação”, uma coalizão de empresários, Bancos, organizações e agencias da sociedade civil voltadas para a conformação da educação brasileira para o capital, tem influenciado de forma definitiva as políticas públicas que se referem às metodologias e aos conteúdos da educação básica oferecidos para estudantes e professores, no sentido de adequar a educação formal para as necessidades do mercado. Assim, se perde vista a educação como processo de desenvolvimento omnilateral3 do ser humano, embora em meio a um momento histórico pleno de alternativas de comunicação e informação.

O resultado desse processo é uma corrida por parte do empresariado associado ao Estado para forjar índices que garantam a inserção do Brasil em patamares cada vez mais competitivos em termos de mercado internacional – isso inclui índices de níveis de educação, entre outros. Alem de tais índices ocultarem o fracasso do investimento concreto em educação de qualidade, promovem uma corrida dos fornecedores de tecnologias aos aparelhos educativos, em geral desprovidos de estruturas mínimas de instalação para tornarem essas novas tecnologias realmente acessíveis a estudantes e professores. Nesse contexto, no caso do município do Rio de Janeiro, há escolas abandonadas à sua própria sorte, onde muitos professores queixam-se da falta de lâmpadas elétricas, ou seja, o que dizer da ausência de acesso à rede mundial de computadores (Internet)? O abandono do Estado só serve para justificar, mais uma vez, a “necessidade” de parcerias público-privadas que venham salvar as escolas públicas, quando na verdade tais parcerias facilitam a apropriação privada do dinheiro público exclusivamente com fins lucrativos.

A partir das considerações feitas até aqui, levantamos evidencias para inferir que as novas tecnologias estão imbricadas com interesses das classes sociais em disputa, em contextos imbricados com os aspectos políticos e econômicos, produzidos historicamente.

Resta destacar que o acesso efetivo às Tecnologias da informação e comunicação (TIC)4 nas escolas, como espaço de formação da classe trabalhadora, está imerso em um contexto complexo, como esclarece Barreto:

São aqui assumidos dois pressupostos. O primeiro deles diz respeito à defesa do acesso às TIC, assim como a todos os produtos do trabalho humano. Entretanto, a defesa do direito de acesso aos bens culturais não pode descambar para simplificações que o descaracterizem. Logo, o segundo equivale à ruptura do silêncio quanto às diferenças e desigualdades reinstauradas pelos modos como o acesso é produzido e pelos sentidos que lhe são atribuídos. A noção de “divisor digital”, ressignificada, não se coaduna mais com a distinção simples entre os que têm e os que não têm acesso às TIC. (BARRETO, 2012).

Com base nas palavras de Barreto, passamos a seguir a problematizar a escola como locus do acesso às TIC.

Reflexões sobre os desdobramentos históricos nas práticas da educação básica da atualidade no Rio de Janeiro

Para além dos processos históricos descritos até aqui, optamos por trazer para a discussão aspectos de nossa observação a partir da ação em territórios favelizados do Rio de Janeiro. Nossas observações corroboram a visão de que a educação básica brasileira é atualmente protagonista de uma triste realidade. Em meio ao desenvolvimento tecnológico propagandeado positivamente, o modo de produção capitalista, caracterizado pelo capitalismo mundializado (CHESNAIS, 2005; CARDOSO, 2006) torna a sociedade cada vez mais desigual e entre as determinações sociais que concorrem para essa desigualdade está a forma pela qual é tratado o sistema público de educação básica. As crianças, jovens e adultos que estudam nas unidades escolares dos Sistemas Públicos Estaduais e Municipais de Ensino estão entre os que mais sofrem com a desigualdade social. Este fato é também consequência do processo de precarização da escola pública que tem sido imposto pela ordem econômica e política mundial. Paulo Freire traduziu assim a dinâmica societária, na qual se insere a escola pública:

O dinheiro é a medida de todas as coisas. E o lucro, seu objetivo principal. Por isto é que, para os opressores, o que vale é ter mais e cada vez mais, à custa, inclusive, do ter menos ou do nada ter dos oprimidos. Ser, para eles, é ter e ter como classe que tem. (FREIRE, 1987, p.46).

Essa dinâmica de opressão de classe se expressa muito fortemente no campo da educação porque as condições socioeconômicas das famílias, condições de estudo, de remuneração de professores, de acesso à materiais educativos e condições do próprio ambiente onde se insere a escola não são favoráveis para TODOS. Portanto, há que se explicitar o fato de que algumas pessoas já nascem “herdeiras” da acumulação de capital, e, portanto, herdam uma condição, muito maior do que a da maioria das pessoas, de acesso à apropriação da ciência, da cultura e das TIC que a educação formal propicia como forma privilegiada de “inserção no fluxo da cultura humana” (SEVERINO, 2006. p. 289). Por outro lado, faz-se necessário considerar que a educação formal, como uma das práticas culturais universais determinadas pelo capitalismo mundializado, é moldada de forma a conformar a cultura da maior parte da sociedade, ou seja, a cultura da classe trabalhadora, aquela que, para sobreviver, depende da venda de sua força de trabalho para a classe detentora dos meios de produção.

Nesse metabolismo social determinado pelo capitalismo, os governos, ao utilizarem os recursos de agências multilaterais mundializadas, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), pactuam com normas definidas por estes para “ajustar” as políticas governamentais aos ditames dos interesses de uma divisão internacional do trabalho marcada por imposições e relações de exploração entre países, orientados por corporações de perfil imperialista. Essas pressões por ajustes, além de consolidar o comércio internacional de TIC, moldam as políticas de tal forma que dificultam ainda mais a concretização de uma educação com a qualidade necessária a processos societários que efetivamente ampliem as possibilidades de emancipação daqueles que estudam nas escolas públicas brasileiras.

Estas influencias internacionais sobre as diversas conjunturas devem ser consideradas quando se pretende pensar o papel das novas tecnologias de comunicação na educação básica.

No cenário internacional, o discurso do Banco Mundial destaca “o horizonte educacional transformado pela globalização e pela revolução das TIC” (World Bank, 2002, p. 65); e as forças do mercado “assumindo papel cada vez mais importante na educação mundial”. (BARRETO, 2012)

Neves (1991) afirma, com base em Marx, que nas sociedades urbano-industriais “a aplicação diretamente produtiva da ciência e tecnologia produz repercussões econômicas e político-sociais que passam a determinar a natureza e o ritmo do crescimento dos sistemas educacionais” (BONATTO, 2012, p.98).

Neste contexto em que as tecnologias explicitamente determinam a educação, há que se problematizar as condições que marcam a introdução das TIC no Sistema Público Municipal de Ensino no Rio de Janeiro. Vale ressaltar que a cidade atualmente assume o papel de metrópole à serviço dos grandes eventos mundiais em detrimento da degradação dos direitos humanos mais básicos das classes trabalhadoras (habitação, transporte, educação, saúde)5 .

Para essa problematização é preciso encarar o desafio de analisar a complexidade da realidade do chão de unidades escolares que compõem o Sistema Público Municipal de Ensino do Rio de Janeiro. Nessa rede, inúmeras contradições não impedem que se consolide o fluxo de fornecimento de TIC como bens de renovação permanente que movimentam o mercado. Por outro lado, observamos na vivência profissional em unidades educacionais situadas em Manguinhos6 , que é comum acontecer a falta de equipamentos que dão suporte a implementação das novas tecnologias da informação na escola e falta de manutenção preventiva destes. Outra deficiência é a dificuldade de acesso à internet, bem como a atualizações periódicas de software e de hardware, ocasionando um acúmulo de equipamentos obsoletos e/ou defeituosos nos espaços escolares, sobre os quais as direções das unidades não possuem autonomia nem verbas suficientes para encaminhamento de problemas relativos à estes.

Nesse contexto, é preciso compreender os limites e possibilidades da inserção das TIC nas escolas como meio de democratização da comunicação e da informação na sociedade. Para essa compreensão são necessárias a consideração de duas perspectivas: a histórica e a daqueles que estão nas pontas dos serviços públicos, ou seja, a voz de quem está na escola pública hoje, na condição de docente e de discente. Os documentos históricos são reveladores de como a organização político econômica, comprometida com o capital, se veste de cultura e de educação para favorecer a máquina do consumo. Nesse sentido a publicação do Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira revela o abismo entre as escolas privadas informatizadas e as escolas públicas:

Escolas sem acessibilidade, sem rede de esgoto, sem quadra de esportes e biblioteca, sem laboratórios de ciências e informática. Essa é a realidade de mais da metade dos colégios públicos do país, segundo dados do Censo Escolar 2013, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) (REIS; MORENO, 2014).

Na busca de se ouvir quem está nas pontas das ações de educação, a internet é certamente um canal de investigação acerca de como se expressa essa voz e talvez seja essa – a ampliação de canais de escuta, de trocas e de construções de qualidade coletiva – a principal contribuição das TIC no campo da educação. Essa contribuição está associada às possibilidades de se favorecer a explicitação dos mecanismos de dominação de classe que estão sendo dissimulados por traz do culto das TIC, como meio redentor dos processos de exploração que caracterizam o capitalismo mundializado e a educação que se dá nesse contexto societário:

Neste conjunto, aparentemente caótico, está a renovação do sonho de Alexandria, da reunião dos saberes produzidos pela humanidade, agora depositado em sites como o Google. Ao mesmo tempo, patentes e leis de propriedade intelectual protegem o conhecimento estratégico. Qualquer acesso a um computador parece autorizar o uso da expressão “inclusão digital” e, por extensão, da “inclusão social”. Um laboratório de informática pode ser o espaço da escola onde os computadores existentes são depositados, mesmo não estando conectados entre si ou à internet. Há as escolas pobres, para alunos idem. E são a maioria. (BARRETO, 2012).

Pensar o papel das novas tecnologias de comunicação, nessa perspectiva crítica, é ter o compromisso ético com a verdade (FREIRE, 1987), não no sentido de contrapor simplesmente a escola tradicional com a escola preocupada com as necessidades de uma sociedade do conhecimento. É necessário sobretudo, problematizar e lutar por soluções para o provimento de condições de utilização efetiva e eficaz das TIC na educação pública básica, associando-as à processos de educação emancipatória. Tal iniciativa tem potencial para apoiar e alimentar grandes redes formadas por estudantes e educadores que venham a exercer o papel de sujeitos coletivos da transformação da realidade vulnerabilizada dos territórios favelizados onde se encontram as escolas públicas.

Notas

1. Para mais detalhes buscar as seguintes palavras-chave relacionando-as à década de 1970: Crise do petróleo, crise da dívida, crise ambiental.

2. A divisão internacional do trabalho diz respeito à posição dos países no mercado e no processo produtivo global, bem como à dinâmica de acumulação de capital no contexto planetário, a qual se atualiza a cada conjuntura como “nova divisão internacional do trabalho”. Materializa-se como determinação econômica da produção e comercialização entre países desenvolvidos, países emergentes e países pobres segundo seu potencial competitivo e papel condicionado pela economia global (PIRES, 2009).

3. A formação omnilateral (isto é, multilateral, integral) da personalidade [é estruturada] de forma a tornar o ser humano capaz de produzir e fruir ciência, arte, técnica.” (PEREIRA; LIMA, 2009, p. 169).

4. “As Tecnologias da Informação e Comunicação é um termo geral que frisa o papel da comunicação (seja por fios, cabos, ou sem fio) na moderna tecnologia da informação. Entende-se que TIC consistem de todos os meios técnicos usados para tratar a informação e auxiliar na comunicação, o que inclui o hardware de computadores, rede, telemóveis, bem como todo software necessário”. Acesso em: 22 nov 2015.

5. Rio de Janeiro – “Cidade Olímpica”. Acesso em: 22 nov. 2015. Para informações sobre agressão aos direitos humanos ver: Politicas Alternativas para o Cone Sul.

6. Uma das regiões favelizadas da cidade do Rio de Janeiro, que abrange 13 unidades escolares publicas municipais, incluindo creches municipais e creches conveniadas.

Referências

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BERCOVICH, A. e MADEIRA, F. 1990. Descontinuidades Demográficas no Brasil e no Estado de São Paulo. In: Anais do VII Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Caxambú, v. 2, p. 595-632.

BONATTO, Maria Paula de Oliveira. A Criação dos Centros Interativos de Ciência e Tecnologia e as Políticas Públicas no Brasil: uma contribuição para os campos das ciências, da vida e da saúde. Tese apresentada ao Programa de Pós – Graduação em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2012.

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CHESNAIS, F. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 2005.

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